sexta-feira, 1 de setembro de 2006

... E a Arca partiu!


Imaginem uma tempestade de proporções bíblicas. Qualquer coisa como um dilúvio digno de constar numa das piores páginas do Apocalipse (para quem não souber, o Apocalipse retrata, de alguma forma, o fim dos nossos dias)...

... Estão a imaginar-se dentro das vossas casas, no quentinho, à luz da uma lareira romântica, a ouvir a chuva bater nos vidros? Quiçá com a presença de uma bela companhia, ao som de um qualquer registo musical?

Eheheh... bem... então não sabem mesmo o que é o Apocalipse! Eu disse que era uma tempestade monstruosa, um cataclismo horrífico, uma coisa para meter medo ao susto!

CORRAM, SALVEM-SE, PROCUREM ABRIGO!!!

As pobres criaturas da Terra já se movimentam, aturdidas, porque pressentem o fim dos tempos e vocês aí a pensar em noites de fantasia. Os ventos sopram agrestes, o mar agita-se para tomar aquilo que, agora, lhe parece seu. O peso da “mão” suprema está para vir.

- “Oh Maria, oh Manuel, oh Madaíl, oh Valentim… temos madeira suficiente para construir uma Arca? Salve-se quem puder!

Sacrifícios “animais” e humanos são ponderados fazerem-se para afastar a fúria do “Deus” enraivecido. Mas todos sabem que, nesta fase, será apenas perda de preciosos minutos… indispensáveis segundos na luta pela sobrevivência. A tempestade virá e, entre mortos e feridos, alguém terá de escapar para contar a história.

- “Mas porquê?” - perguntavam eles estarrecidos.

- “Que mal “Te” fizemos nós para merecer tal ira?

- “Terei sido eu a “Te” enfurecer?” – perguntou alguém que se rege pelos bons princípios da vida.

Logo, o tumulto surgiu e mais vozes se fizeram ouvir com a mesma pergunta, até que alguém, entre dentes e pelo meio do burburinho, questionou:

- “Terei sido eu?” – levantou-se uma voz tremida e insegura lá do fundo da sala.

Silêncio absoluto fez-se...

Não havia tempo a perder! A Arca não se fazia sozinha e as estratégias de construção e fuga à enorme intempérie urgiam ser delineadas. Reuniões foram realizadas, conversas foram tidas, apertos de mão (com juras de confiança e fidelidade) foram concretizados.

Foram horas e horas de árduo labor. Milhares de homens e mulheres trabalharam para um fim comum (é interessante como as pessoas se esforçam e decidem rápido quando a sua cabeça está a prémio).

A Arca, enfim, está pronta! Mesmo a devido tempo! O negrume no horizonte avista-se de forma clara e inequívoca. É necessário deixar, de forma rápida, entrar todos os que, por livre vontade, assim desejam fazê-lo.

Foram ricos e pobres a acorrer ao local. Uns, mais atempadamente que outros, já se encontravam à entrada da referida construção. Alguns, com muito custo, deixavam tudo aquilo que haviam construído. Outros, que nada tinham a perder, acreditavam que seria apenas mais uma tempestade típica das invernias.

- “Não fui eu a provocar a ira. Sei que não fui eu” – retorquiu alguém que, a pés juntos jurou que o mal não lhe chegaria.

- “Deus irá salvar-me… Deus irá salvar-me…” – firmemente afirmava uma voz. A tal voz outrora tímida, que no momento parecia cada vez mais segura de si.

- “É loucura… vem connosco… não podemos esperar mais tempo. Vem!” – gritavam e esbracejavam aqueles que tinham a esperança de ver aquela pobre criatura dentro da Arca. Nela existiria acalmia, paz e segurança.

- “Deus vai salvar-me… Deus vai salvar-me…”.

Atemorizadamente, olhava-se o céu e os raios de fogo que dele caíam. A porta teria que ser fechada. Existia a consciência que justos e pecadores partilhavam o mesmo espaço, mas, num momento como aquele, esqueceram-se egoísmos, inimizades e injustiças. A partir daquele momento, uma vez fechada a porta, a vida na Terra não mais seria igual.

- “Deus vai salvar-me… Deus vai-me salvar-me…”.

... e a Arca partiu!

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