Há coisas que recordamos e retemos na nossa memória e não sabemos porquê. Era eu bem pequenito e numa das minhas leituras de sábado do jornal A Bola, no chão da cozinha, pensava que o Porto, após conquistar mais um campeonato, apanharia mais dia menos dia o Sporting. O Porto ganhava o seu 15º título, o Sporting tinha 16. Estávamos em 1996 e o Benfica somava 30. Passados nem vinte anos, o Porto encurtou a desvantagem de quinze para cinco. É revelador do que sem tem passado em Portugal.
E o epílogo da época não poderia ter outro acontecimento tão simbólico, quase tão metafórico como a saída da águia rumo à Avenida Lusíada. Sim, a Vitória, mesmo à última, tal como o seu clube, não atingiu o objectivo. A águia não poisou onde deveria. Falhou o alvo. Errou o destino. Fracassou. Fraquejou. Desapareceu.
Termina assim uma época diferente de todas as outras, mas com o fim de quase todas elas. O Benfica falhou. Em última análise, por muitos paninhos quentes que se tentem colocar, a verdade é que o Benfica não foi suficientemente competente para conquistar aquilo que parecia tangível no início de Maio.
Termina da forma que não queríamos que terminasse. Porque foi injusto para nós, adeptos, mas também para os jogadores. Este grupo de atletas do Sport Lisboa e Benfica deixou a pele em campo e honrou o clube até à última gota de suor. Pela primeira vez em muitos anos, acho que não se pode apontar nada a estes jogadores. Nem ao treinador. Sim, Jesus, o mesmo que eu em tempos defendi que deveria ser demitido, merece uma palavra de apreço pelo muito que fez com este plantel que Vieira descaracterizou em absoluto com as saídas de Javi, Witsel, Nolito e César, sem nenhum substituto. Mas sobre Jesus falarei noutro post, mais tarde.
Serve isto para dizer que o Benfica perdeu o campeonato num dos dias mais felizes da minha vida desportiva. Num dos dias, talvez mesmo "no" dia em que vi, finalmente, "o" Benfica. Foi numa quinta-feira, na Luz, com o Fenerbahçe. Nessa noite, enquanto os jogadores do Benfica faziam o jogo das suas vidas, enquanto corriam como se não houvesse amanhã, estavam a desgastar-se a tal ponto que arriscavam a perda do campeonato. E foi isso mesmo que aconteceu. Com um plantel com reduzidíssimas opções de qualidade para a chamada "segunda linha", o Benfica acabou por perder o campeonato enquanto chegava a uma final europeia 23 anos depois. E não censuro os jogadores nem Jesus por terem dado tudo o que podiam na prova europeia. Porque não deve haver vergonha em morrer a tentar. Porque desistir não é ser Benfica. Perder também não, mas não é vergonha perder. Vergonha é desistir. E apesar de todos os desgostos e amarguras que este fim de época me/nos trouxe, acho que nunca senti tanto orgulho como hoje em Ser Benfica.
O futebol é assim mesmo, por vezes justo, muitas vezes injusto, e dá-nos grandes lições. O Benfica e os benfiquistas aprenderam muitas nos últimos 15 dias. Uma das quais é que a festa faz-se no fim. Não se faz no relvado dos Barreiros. Não se faz alugando e vandalizando a estátua do Marquês de Pombal. Os títulos festejam-se no fim, quando estão ganhos. O Benfica acabou por sucumbir também perante a soberba dos seus adeptos. Mas não caiu de joelhos como Jesus no Dragão. Caiu de pé. Reforço: tenho muito orgulho naquilo que os jogadores conseguiram. Não me satisfaz, mas não lhes posso apontar nada.
Mas o Benfica é grande, e se por outras vezes na sua História soube recuperar de pesadelos e provações maiores que estas que vivemos hoje, não será isto que deitará o clube abaixo. Porque apesar de tudo, o Benfica de ontem, de hoje e de amanhã valeu, vale e valerá pelos seus adeptos, sejam eles quais forem. E espero que os adeptos voltem a ganhar a exigência que entretanto perderam. Lembram-se das palavras de Diamantino ainda antes do jogo com o Estoril? Profético. O Benfica não pode ganhar de vez em quando. Tem de ganhar muitas e muitas vezes. Ganhar tem de deixar de ser algo esporádico para passar a ser um hábito. O Benfica reerguer-se-á. Só não sabemos quando.
A verdade é que urge ganhar. O Benfica não pode continuar a viver das vitórias do passado. Precisamos de ganhar amanhã, porque hoje já era tarde e ontem era tardíssimo. E é isto que me chateia profundamente. Temos de ganhar. Temos de querer ganhar. E precisamos de cultura desportiva, de cultura da vitória. Porque senão, continuaremos estupidamente felizes com um campeonato ganho a cada cinco anos. Porque a continuar neste ritmo que estamos, quando alguém perguntar a três adeptos do Sporting, Benfica e Porto sobre se se lembram de quando ganharam o último campeonato, as respostas serão "Não", "Sim" e "Qual deles?!", respectivamente. E eu quero deixar de me referir "ao ano em que fomos campeões" como "aquele ano". Quero confundir-me com os vários campeonatos ganhos. E olhando para este Benfica actual, vejo no relvado e no banco (sim, Jesus, esse mesmo) gente que me pode dar essas alegrias. Mas na tribuna não há ninguém.
Foi um prazer. Até sempre.
4 comentários:
Até sempre? Vais deixar o blog?
Não acho que a culpa seja o jogo com o Fene para a Liga Europa.
A culpa é quem achou bem utilizar o 11 que jogou contra o Fene no jogo imediatamente a seguir sem refrescar a equipa. Não concordo que as segundas linhas não tenham qualidade para enfrentar a nossa Liga.
O que se esquece de comentar no seu texto é a coisa de sempre. Não basta ganhar. Ganhar fez o Benfica e muito esta época.. começa a ser hora de todos se indignarem com os tropeções do adversário que dão penalty e valem campeonatos, com a tolerância para a falta de vergonha na cara deles e acima de tudo para aprendermos a valorizar o que temos hoje em comparação com o que não tínhamos até há bem pouco tempo - qualidade!
Abraços
Pedro,
JJ tinha uma opção difícil: ou voltava a apostar na primeira linha, completamente rota, ou jogava com as segundas linhas (Martins, Gomes, Almeida, Rodrigo, etc). Estes últimos, sinceramente não dão (alguns "ainda não dão") confiança. E JJ seria sempre preso por ter ido caçar o Estoril com cão (1ªs linhas) ou com gato (2ªs linhas).
MValente,
eu indigno-me. E o teu presidente, indigna-se? É que não ouvi nada da boca dele após o Porto ser ajudadíssimo contra o Setúbal e Nacional, os dois jogos imediatamente a seguir à arbitragem do Capela. No que ficamos? O Vieira também se deve indignar ou ficar calado? É que ele é o presidente do Benfica, não eu.
Se o Jesus continuar vamos continuar a ser humilhados pelo F C Porto. Já deu provas suficientes de que falha em 9 de 10 jogos decisivos. Dispenso-me de os enumerar. O que nos vai valendo é a mediocridade dos restantes adversários face ao grande investimento realizado nos últimos anos. Só no Salvio, Lima e Olah John gastamos mais do que o orçamento conjunto das restantes equipas da 1 Liga com excepção dos principais rivais. É preciso arranjar quem convença os jogadores da grandeza do Clube, porque andar perto nestas circunstancias é bem fácil de conseguir. Não nos deixemos arrastar para o contentamento Sportinguista.
Enviar um comentário